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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O Castello Galli (história real)

''Aviso a todos que essa é uma história real, não apenas “baseada em fatos reais”, é a narrativa pura a simples de um fato ocorrido há poucas décadas por membros de minha família, ou melhor, de minha Casa, pois sou um Nobre, sou o Conde della Loggia.'' -Conde d. Loggia.


A história dos Galli, Condes della Loggia iniciou há muitos séculos na Europa Central, descendentes do Imperador Carlos Magno, com o passar das gerações tornaram-se uma das maiores Casas Feudais da Itália. Em 1798 o Conde Pietro Maria Gaetano Vincenzo Gaspare Galli della Loggia alia-se ao Imperador Napoleão Bonaparte, que torna-se Rei Napoleão I da Itália, em troca de governar o Piemonte em nome do Imperador-Rei.


A cidade de La Loggia é uma cidade medieval anterior ao século X, localizada na Província italiana de Turim, na Região do Piemonte, no rico e poderoso Norte da Itália. Sempre fora Feudo de membros da Alta Nobreza Italiana. Em 1296 é erguido na cidade o Castello Galli, marcando que a partir daquele momento La Loggia era posse desses poderosos e antigos Condes.

Com o passar dos séculos e das gerações, em 1789 o Rei da Sardenha extingui os Direitos Feudais, que ligavam os camponeses à terra em que viviam. A partir daí todos seriam livres. La Loggia permaneceu como posse da Casa de Galli, porém com a libertação feudal o interesse da família diminuiu muito pela Sede de seu Condado. O Castelo, antes rico e cheio de vida, caiu no esquecimento e no abandono por longos anos. A situação somente melhorou quando em 1880, o Conde Angelo Vittorio Edoardo Galli della Loggia decidiu se casar, e morar no antigo Castello Galli, em La Loggia.

Após sérias reformas o mansão novamente tornou-se digna de receber os bailes e festas da Nobreza Italiana. Em 24 de fevereiro de 1881 o Conde Edorado Galli, como gostava de ser chamado, casou-se com a jovem Condessa Laura Cacherano. Do casamento nasceram dois filhos, a mais velha, Laura Maria Concetta Galli della Loggia, e seu irmão, sete anos mais novo, Annibale Giuseppe Giacomo Galli della Loggia. 

O herdeiro, Annibale, havia demorado a nascer, mas finalmente viera em 10 de maio de 1888. Nascido no Palácio de San Massimo, em Turim, com apenas 15 dias fora levado a viver no Castello Galli della Loggia. Pela Lei Sálica, adotada no Reino da Itália, somente homens poderiam herdar e transmitir títulos de nobreza. A pequena Laura havia nascido Condessa, porém pela Lei do Reino somente manteria esse título até o casamento, quando passaria a ter o sobrenome e o título do esposo, caso este tivesse algum. Caso casasse-se com um plebeu, passaria a ter a mesma condição que ele. A família assistiu com grande pesar o falecimento do jovem Conde Herdeiro Annibale Giuseppe Giacomo, falecido apenas um mês depois de ser levado ao Castello Galli. Sua morte era inexplicável pelos médicos, que não compreendiam como um garoto forte, saudável, pudesse ter definhado tão depressa.

O Conde Edoardo, pai das crianças, jamais se recuperou pela morte do herdeiro, e morreu três anos depois, em 1891. A jovem Laura, com apenas 10 anos de idade, herdou os bens do pai, muitas terras, palácios de campo, propriedades imensas, e é claro, o enigmático Castello Galli, onde apesar dos protestos da mãe, continuou a residir. O título de Conde passou a seu tio, e dele, a seu primo que vivia no Brasil, uma terra distante que jamais Laura teve vontade de conhecer. 

Com o passar dos anos os antigos membros da família foram morrendo, e em contra partida, muitos poucos Galli nasciam. A Casa de Galli foi extinguindo-se, e muitos de seus Castelos e Palácios foram simplesmente abandonados ou doados à Igreja pelos sobreviventes, em geral bastante velhos e ricos para manterem interesses por aqueles prédios antigos. Meu tio, Conde Rafael Galli della Loggia, nascido no Brasil, em 1945, fazia visitas constantes à Condessa Laura, em La Loggia, com o passar do tempo os poucos parentes sobreviventes foram forçados a uma reaproximação, já que caberia certamente o legado da Família aos Galli que viviam na América. 

Aquela parecia ser mais uma viagem, das tantas que o Conde Rafael Francesco Augusto Galli della Loggia fazia a Itália. Seu destino já era traçado: o avião o deixaria em Roma naquele mesmo dia, 09 de maio de 1977. No dia seguinte chegaria de trem a Milão, onde se encontraria com representantes da família para discutir alguns inventários pendentes. No dia 11 estaria em Turim, e de lá, de carro, venceria os 12 quilômetros até La Loggia, afim de rever sua prima, Condessa Laura, tomar ciência de como andavam os negócios da Casa Galli, e retornaria a Roma após dois dias, e de lá de volta ao Brasil, fazia viagens semelhantes ao menos quatro vezes ao ano.

Como tudo correra como o previsto, Conde Rafael chegou a Turim, onde tomou um carro de aluguel, com motorista, e seguiu para a pequena cidade de La Loggia. Apesar da cidade ter mais de 900 anos, somente contava com 6 mil habitantes, ou menos, já que o nascimento de crianças não repunha os idosos que lá faleciam. Chegou à cidade no princípio da tarde, e pode notar algo de incomum, parecia que os seis mil moradores do local haviam resolvido sair de casa no mesmo dia: as ruas da cidade estavam repletas, as casas, todas fechadas, inclusive as lojas. Passando em frente ao prédio da Câmara de Vereadores, pode notar a bandeira com o Brasão dos Condes de Galli, que servia de pavilhão à cidade, posta a meio mastro. 


“Que estranho”, pensou o jovem Conde, o “Sindaco (prefeito, em italiano) deve ter falecido, bem, já estava velho mesmo”. Seguiu seu rumo até o Castello Galli, situado no exato centro da Cidade. Em, em frente, a Igreja Matriz local, edificada para ser a Capela Particular do Castelo no século XIII, estava repleta, centenas de pessoas acompanhavam a Missa pelo lado de fora, por falta de espaço interno. Conde Rafael, certo de que era melhor nem tentar entender o que estava acontecendo, mandou o motorista parar em frente ao antigo portão da muralha do Castelo. Rafael bateu, e foi recebido por um criado na faixa dos 40 anos, que o jovem Conde logo percebeu ser alemão. O criado não compreendia nada de italiano, e deveria trabalhar no castelo a menos de três meses, pois até aí nunca o havia visto antes. Rafael, que não falava nem entendia nada de alemão, arriscou-se a dizer “Ich bin der Graf von Galli” (Sou o Conde de Galli, em alemão). Ao ouvir isso, o criado imediatamente deixou-o entrar, enquanto lhe dizia “Es tut mir leid für das, was passiert”. Conde Rafael, sem entender coisa alguma, seguiu para dentro do velho castelo, deixando claro ao criado que sabia bem o caminho. 


Adentrando o salão principal, seguiu direto pela escadaria do século XVII para o segundo andar, onde saberia que encontraria sua velha prima. Adentrou a “Sala do Chá”, um amplo cômodo mobiliado e decorado antes da Revolução Francesa, que servia de sala de visitas à Condessa. Encontrou-o vazio, e deixou-se levar pela imaginação, pensando quantas gerações de sua Família já haviam tomado chá sentados naquelas velhas poltronas, quantos casamentos haviam sido tratados entre aquelas almofadas vindas de Florença. Os quadros que adornavam as paredes eram um capítulo a parte, vários dos Condes della Loggia, com suas feições sérias, armaduras lustras, estavas imortalizados naqueles retratos. Havia porém um quadro novo, pintado a poucos meses, era a própria Condessa Laura, vestida com um sóbrio vestido longo, preto, com o braço direito apoiado em uma poltrona, e com um Breviário (livro de Orações) na mão esquerda.


Rafael pensou “minha prima ainda gasta dinheiro numa coisa dessas, e sendo pintada assim está parecendo ser uma santa!?” pensou ele. Nisso adentra a porta lateral da sala a velha Condessa, vestida de negro, com um elegante vestido de seda a arrastar pelo tapete. Rafael logo pensou “realmente algum parente faleceu, de outro modo não estaria usando luto”, porém antes de dizer qualquer coisa, foi surpreendido pelo sorriso da velha prima, que lhe dizia “Bongiorno! Come stai oggi?” (Bom dia, como vai?) “molto bene, e tu, come vá?” (Muito bem, e você, como está?) lhe respondeu Rafael. Entreteram-se na conversa de tal modo, que Rafael simplesmente não se recordou de perguntar o que havia ocorrido na cidade. Em um gesto muito elegante, Rafael retirou do bolso interno do paletó uma rosa branca, comprada para a ocasião, e a entregou a prima. 

Enquanto conversavam, Rafael recordou-se do fato que prima nunca se casara, dizem, que para não perder o tratamento de Condessa, dizem para não ter que adotar outro sobrenome que não fosse o seu. Após a morte da mãe, há décadas atrás, Condessa Laura vivia sozinha naquele Castelo com mais dez ou onze criados. Na cidade era temida e amada por todos: dona de todas as terras do antigo Condado, várias vezes não cobrava as dívidas que os camponeses pobres lhe deviam, “esquecia-se” como costumava dizer depois.


Mais de meia hora se passara naquela conversa, quando a Condessa Laura levantou-se de súbito, e disse ter um compromisso. Levou consigo a rosa branca que ganhara, e disse que já havia marcado esse compromisso há três dias, e que não teria como faltar. Disse que já estava de partida quando soube que seu primo estava na cidade, e que por isso havia retornado para esta breve conversa. Recomendou que Conde Rafael ficasse o tempo necessário, e que Giuseppe, o velho mordomo, lhe faria companhia. Rafael viu a velha prima retirar-se, com o mesmo porte de Rainha que havia entrado “não muda nunca” pensou o jovem. Minutos depois entrou o velho mordomo, estava pálido, abatido, e também vestido de luto como a Condessa. O mordomo foi logo dizendo “Le mi condoglienze, Eccellenza” (meus pêsames Excelência). Rafael logo relembrou o tumulo nas ruas, a bandeira a meio mastro e logo perguntou “scusa, qui ocorre?” (desculpe, o quê aconteceu?). 

Giuseppe disse logo “-pensei que o senhor já tivesse sido informado, sinto muito ter que lhe dar essa notícia, é que com a forte tempestade de ontem, os telefones pararam de funcionar, e a linha telegráfica foi rompida...”

“Diga de uma vez o que aconteceu homem!” gritou Rafael

“-Foi sua prima, a Condessa Laura”

“O que aconteceu com a Condessa?” disse Rafael prestando pouca atenção a própria pergunta.

“Ela faleceu faz três dias foi infarto fulminante, nem ouve tempo de chamar o médico. Hoje foi a Missa pelo terceiro dia do falecimento, a cidade toda esteve presente para se despedir da Condessa” disse o mordomo, com muito pesar.

Rafael, sem compreender nada do que estava acontecendo, olhou para o retrato da prima, pendurado em sua frente e pode ver, com grande espanto, que na mão esquerda, onde antes havia apenas o Breviário, agora estava também a rosa branca que ele havia lhe dado.

Rafael retornou naquele mesmo dia ao Brasil, e nunca mais teve interesses no Castello Galli. O castelo foi entregue a cuidados de administradores pagos pelo Município, e nunca mais fomos lá. A última notícia que tivemos, foi que em 2010 uma criada pediu demissão, alegando ter visto uma “Dama vestida de negro, com um véu cobrindo o rosto, e com uma rosa branca na mão, andando pelo Castelo”.